Impedir o réu de nomear seu próprio advogado constitui cerceamento de defesa
Notícias (Fonte: www.stf.jus.br)
Acusado possui direito constitucional de escolher seu próprio defensor.
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus (HC 101393) a um homem que responde pelo crime de homicídio duplamente qualificado em Mato Grosso e suspendeu, até decisão final do STF, a sessão do Tribunal do Júri que julgaria o caso. A decisão teve como fundamento o princípio constitucional da ampla defesa.
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Conforme o pedido de HC, o juiz que analisou o caso no Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao invés de proceder à intimação do patrono [advogado] do paciente para oferecer suas considerações finais, o magistrado, acatando manifestação do Ministério Público, nomeou defensor dativo, não apenas para oferecer as ditas alegações finais, mas para patrocinar toda a defesa do paciente, sem se atentar para o fato de que existia defensor constituído.
Com esses argumentos a defesa tentou a obtenção de liminar em habeas corpus junto ao STJ, mas lá o relator do caso indeferiu o pedido. Antes mesmo da análise de mérito por aquela Corte, a defesa recorreu ao Supremo. Ao analisar o caso o ministro Celso de Mello afastou a aplicação da Súmula 691 do STF segundo a qual não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
Segundo Celso de Mello, em caráter extraordinário o Supremo tem admitido o afastamento da Súmula 691, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante da Corte ou veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Diante da excepcionalidade do caso, o ministro observou que cabe a análise do pedido pelo STF. Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF, afirmou.
O ministro ressaltou que a Constituição brasileira assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal, o direito de o acusado escolher, com liberdade, o seu próprio defensor. Celso de Mello citou em sua decisão jurisprudência da Corte, segundo a qual o réu deve ser cientificado da renúncia do mandato pelo advogado, para que constitua outro, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa.
Na avaliação do ministro Celso de Mello, o juiz não pode nomear defensor dativo de modo que viole o princípio constitucional da ampla defesa. Diante disso, deferiu a liminar para suspender a sessão do Tribunal do Júri até que o Supremo julgue o mérito do habeas corpus impetrado pela defesa.
AR/LF
Processos relacionados: HC 101393
NOTAS DA REDAÇAO
Trata-se de habeas corpus interposto contra decisão do Tribunal mato-grossense que ao invés de intimar o advogado do réu que já havia sido constituído, acatou a manifestação do Ministério Público e nomeou defensor dativo para patrocinar toda a defesa do paciente.
O direito de o réu escolher um defensor particular se revela como desdobramento lógico da garantia constitucional da ampla defesa que, uma vez violada importa em nulidade absoluta com prejuízo insanável (art. 563 do Código de Processo Penal).
Esclareça-se que, somente se justifica a nomeação de defensor dativo pelo juiz na hipótese de desídia do patrono constituído, bem como do réu em contratar novo causídico. (Resp 610455/RS, DJ de 16/11/2004 eHC 81.980, DJ 27/11/2008). Caso contrário, apesar de a nomeação pelo juiz de defensor dativo ser uma forma de resguardar o direito do réu à ampla defesa, prevalece o direito desse em escolher seu próprio advogado.
Se no caso em tela o juiz, nem o Ministério Público perceberam que já havia advogado constituído, antes da nomeação de um dativo o réu deveria ter sido intimado para constituir novo advogado. Porém, a ausência dessa intimação configura ofensa também aos princípios constitucionais do contraditório (LV, art. 5º) e do devido processo legal (LIV, art. 5º), previstos no Pacto de São José da Costa Rica, corolários esses que devem ser fielmente observados num Estado constitucional e democrático de Direito, que foi o modelo adotado pelo Brasil.
Apesar do primeiro habeas corpus ter sido interposto perante o Superiro Tribunal de Justiça, tendo em vista o indeferimento da liminar pelo relator , antes mesmo que o mérito fosse julgado, o réu impetrou novowrit perante o STF.
Ocorre que a Súmula 691 do STF dispõe no sentido da Suprema Corte não ter competência para conhecerhabeas corpus impetrado contra decisão de relator , ou de quem lhe faça as vezes, que em outro habeas corpus , ainda em andamento no Tribunal Superior, indeferiu o pedido liminar.
As razões que orientam a Súmula 691 estão no fato de que, se o STF examinar a controvérsia apresentada no novo HC, sem o julgamento definitivo do writ impetrado no STJ, haverá supressão de instância e, por conseqüência, ofensa aos princípios da hierarquia dos graus de jurisdição e da competência jurisdicional. No mesmo sentido consta nos seguintes precedentes: HC 70648, HC 76347 QO, HC 79238, HC 79350, HC 79748, HC 80287, HC 80316, HC 80631, HC 80550 e HC 80081.
Entretanto, também é entendimento do STF a possibilidade de atenuar o alcance da Súmula 691, ou seja, será admitido o HC contra indeferimento de liminar nos casos em que houver flagrante ilegalidade .
Sendo assim, no caso em tela, diante da manifesta ilegalidade causada pelo cerceamento de defesa, foi determinada a relativização do enunciado da Súmula 691e a concessão da liminar para suspender o julgamento pelo do Tribunal do Júri até que o Supremo julgue o mérito do HC impetrado.